
“Não se acede ao que não existe.” Com esta reflexão, o Bastonário da Ordem dos Advogados de Angola, Dr. José Luís Domingos, protagonizou a mais recente edição do Quintas de Debate, realizado na última quinta-feira, 10 de abril, numa das unidades hoteleiras de Benguela. O encontro, promovido no âmbito do projecto Te L’vando financiado pela União Europeia através projecto PASCAL. O certame reuniu distintas personalidades da província Benguela para discutir sobre a Ordem dos advogados no acesso à justiça e a partcipação cidadã.
Numa análise profunda e desafiadora, o Bastonário questionou a existência real da justiça no país:
“Estamos a chegar a meio século de independência, mas nunca tivemos, em Angola, um poder judicial verdadeiramente bom.” Para Zé Luís como é também carinhosamente chamado, o país vive num Estado de Direito apenas formal, sem que os pilares da justiça se consolidem de forma concreta e eficaz na vida dos cidadãos.
Durante a sua dissertação, destacou dois factores estruturais que continuam a minar o sistema judicial: a dependência do poder executivo e a ineficiência na prestação de serviços.
“Enquanto os tribunais forem financeiramente reféns do Executivo, jamais serão independentes,” sublinhou, referindo-se à ausência de um orçamento próprio para o poder judicial e à prática de cortes unilaterais feitos pelo Governo ainda na fase inicial da proposta orçamental.
O Bastonário foi mais longe, ao apontar também a fragilidade do modelo actual de nomeação de juízes dos tribunais superiores e do Procurador-Geral da República, cuja decisão final recai sobre o Presidente da República. “Mesmo havendo concurso, é o Chefe do Executivo que escolhe. Isso compromete a confiança no sistema e na imparcialidade dos tribunais.”
Como solução, defendeu uma reforma profunda que inclua maior autonomia financeira e mudanças no processo de nomeação dos titulares de cargos judiciais. Propôs ainda a adopção de práticas comparadas, como o modelo brasileiro, onde o poder judicial apresenta o seu orçamento directamente ao Parlamento.
Dirigindo-se especialmente à juventude presente, o Bastonário apelou a uma mudança de paradigma: “A justiça não pode continuar a ser um luxo inacessível. É um direito humano e é ao mesmo tempo um pilar do Estado de Direito. A geração actual tem o dever de exigir essa transformação.”
Ao devolver a palavra ao plenário concluiu que sem justiça social, não há paz nem progresso. E sem um poder judicial forte, independente e eficiente, não há justiça possível.