“A independência valeu a pena? Sim. Mas o que fizemos com ela?” — foi com esta interrogação profunda que o padre Celestino Epalanga sacudiu consciências na mais recente edição do Quintas de Debate, realizada a 3 de abril, em Benguela, sob o tema: “50 Anos de Independência: Desafios da Reconciliação Nacional e da Participação Cidadã”.
O evento, promovido no âmbito do Projecto Te L´Vando com o apoio da União Europeia, através do programa de reforço a sociedade civil e a administração local – PASCAL reuniu estudantes , professores, representantes dos partidos políticos, ONGs, representantes do executivo local e instituições religiosas para reflectir sobre o caminho trilhado desde 1975 e os desafios ainda latente na construção de uma Angola justa, reconciliada e verdadeiramente livre da dependência externa
“A história não pode ser privatizada”
De forma apaixonada e provocadora, o Padre Celestino desafiou as narrativas históricas dominantes, alertando para o risco de se concentrar a memória da luta apenas nos nomes mais sonantes como Agostinho Neto, Jonas Savimbi e Holden Roberto.
“Muito antes destes líderes, reis e anónimos lutaram contra a ocupação portuguesa. Não podemos privatizar a história. Isso é uma esquizofrenia colectiva”, afirmou, arrancando aplausos e reflexões do público.
Independência sem justiça social é uma ilusão
Embora reconheça o valor da conquista da independência e da paz, Epalanga criticou severamente a forma como os herdeiros da luta conduziram o país.
“A única coisa que os três movimentos pensaram foi no poder. Não houve um momento de encontro para desenhar um futuro comum. Estavam despreparados para governar uma nação”, declarou.
E, 23 anos após o fim da guerra civil, o padre diz que ainda se vive uma “paz negativa”, marcada por desigualdades gritantes, fome, exclusão e repressão em várias regiões do país.
“Construíram hospitais de ponta, mas continuamos a morrer como formigas”
A crítica mais contundente recaiu sobre os contrastes entre os investimentos públicos e a realidade social. Celestino destacou a fome crónica, a desnutrição infantil, o colapso do sistema educativo e as violações de direitos humanos, como o massacre no Cafunfo, em 2021, que, segundo ele, teria vitimado mais de 100 pessoas, não apenas cinco como reportado oficialmente.
“Há uma paz silenciosa, mas as armas ainda não se calaram. O povo ainda morre. O povo ainda tem fome. O povo ainda está fora da escola”, disse.
Reconciliação e participação: palavras por cumprir
Para o filósofo, a reconciliação nacional ainda está por nascer. Segundo ele, há falta de vontade política para unir o país em torno de uma visão comum, e a participação cidadã é ainda marginalizada.
“Temos que parar de matar o futuro. A juventude está fora do sistema. Estamos a caminhar para um abismo se não a conversar, escutar e incluir”, alertou.
De recordar que o Quintas de debate tem o objectivo juntar diferentes visões sobre temas da actualidade como política, economia, sociedade e cultura.